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Jornalismo e literatura
Vergílio Alberto Vieira e os Novos Trabalhos Novos Danos
Vergílio Alberto Vieira acabou de publicar “Novos Trabalhos Novos Danos", Obra Poética em dois volumes que reúne meio século de poesia. VAV é um dos maiores poetas portugueses vivos, com uma obra literária que vai do teatro à ficção, ensaio, biografia e literatura juvenil.
Poucos escritores portugueses vivos têm uma obra tão valiosa, tão variada e tão cuidada como a de Vergílio Alberto Vieira. O poeta de Amares, que vive em Braga, e passou uma boa parte da sua vida a trabalhar em Lisboa como professor, escreve e reescreve aos 70 anos os textos mais belos da sua Obra; e, com os cuidados e o zelo que os agricultores dedicam à terra onde todos os anos deitam a semente, VAV vai organizando antologias, reunião de novos trabalhos, sempre em edições de grande qualidade gráfica, a grande maioria editadas pela Crescente Branco da qual ele próprio é um dos responsáveis gráficos. Da poesia ao teatro e à escrita biográfica, literatura juvenil e crítica literária, VAV não nega nem renega o labor da escrita ainda que, dessa luta, muitas vezes o que fica seja apenas a certeza de que “a poesia é moeda que nada compra”.
Em tempo de pandemia, quase de catástrofe mundial, em que as livrarias estão fechadas, não é possível beber um café nem ao postigo de um estabelecimento comercial; num tempo em que a poesia está cada vez mais ausente das livrarias, e os novos poetas se entregam cada vez mais a copiarem-se uns aos outros, saúdam-se os dois volumes de “Novos Trabalhos Novos Danos”, uma mão cheia de felicidade em letra de fôrma.
Quem sabe falar da verdadeira beleza dos astros são os astrónomos. Nós, os curiosos da astronomia, também os admiramos mas, é por tudo o que lemos, ouvimos falar e é fruto das mais extraordinárias investigações; acima de tudo porque adoramos tirar proveito da beleza que nos servem em papel couché, ou graças ao poder do cinema e da televisão que popularizou o conhecimento, não só do mundo maravilhoso dos astros mas também do mundo animal, marítimo, e de tantos outros que nos deixam rendidos à imagem, muito mais, e cada vez mais, que à palavra. Se olho para o céu, e fico maravilhado com o brilho das estrelas, em parte deve-se ao conhecimento empírico que tenho do Universo, talvez o mais belo enigma que nos rodeia.
No planeta terra, neste “Chão de Víboras” por onde caminhamos todos os dias, a poesia é o melhor instrumento para alcançarmos o brilho das estrelas, se não somos astrónomos e, como a maioria dos humanos, vivemos dos milagres do céu, ainda que seja o céu que, ao longo de uma vida, só vemos da janela da nossa casa. Com a poesia podemos elevar a palavra ao estatuto de imagem, e podemos adivinhar a dança das galáxias, onde certamente um dia os homens viajarão com a mesma facilidade que hoje viajam de comboio, ou de avião, entre Lisboa e Sidney, só para citar a viagem mais sonhada por muitos poetas.
Foi a releitura da poesia dos últimos 50 anos de Vergílio Alberto Vieira que me levou a escrever sobre o fascínio que tenho pelos astros que, no entanto, nunca foi superior ao deslumbramento pela palavra dos escritores, sobretudo dos poetas que mais admiro, como é o caso de VAV, por serem os melhores no ofício da escrita, mas também os mais vagabundos, ao ponto de, por tanto sublimarem a escrita, terem o destino fatal de Ícaro que, por voar tão perto do sol, acabou a cair no mar.
Uma boa parte da produção poética de VAV, agora reunida em "Novos Trabalhos Novos Danos ", lê-se com a mesma admiração e encanto do tempo em que escreveu os poemas do seu primeiro livro, ou seja, “A idade do Fogo”. Alguns agora são mais belos por que também nós estamos mais maduros para os lermos e admirarmos.
"Novos Trabalhos Novos Danos" é a galáxia onde viaja a extraordinária existência ( no sentido de Obra) poética de VAV, desconhecida dos astrónomos por razões suficientemente conhecidas, mas amada e cultivada pelos leitores comuns, como eu, que buscam na palavra e no conjunto do poema o coração do dia, o palpitante coração do dia, o coração que não aceita insuficiências cardíacas e muito menos angioplastias.
Ivan Junqueira, no prefácio ao livro "Papéis de Fumar", depura com as mais refinadas palavras a arte e o engenho poético de VAV. “Há em Vergílio Alberto Vieira a busca incessante de uma identidade ontológica que se diria, não propriamente perdida, mas ainda por conquistar e que deve aqui ser entendida como um esforço no sentido do autoconhecimento. É como se o poeta procurasse insistentemente dentro de si mesmo, não o que perdeu, mas o que ainda não encontrou”
Ivan Junqueira foi, talvez, quem até agora melhor soube escrever sobre a experiência de ler a poesia de VAV; um poeta que, em boa parte da sua produção poética “nos remete aos epigramas gregos e latinos, nos quais os pensamentos, sempre de cunho sentencioso, são expressos de forma concisa, lapidar e breve”, de “um minimalismo formal e expressivo que nos recorda o haicai oriental e nos adverte, graças à celebração de uma natureza que “ama ocultar-se”, como diria Heraclito em um dos seus fragmentos, para o carácter de ambiguidade que entranha toda a grande e autêntica poesia”
Muitos escreveram ao longo de meio século sobre as experiências de leitura da poesia de VAV; Ivan Junqueira foi quem melhor nos devolveu, em síntese, a ideia de que o poeta de Amares, desde livros como “O Caminho da Serpente” “dá o melhor de si no que toca à estrita invenção poética e à distensão ontológica de sua alma, que a cada passo se surpreende como se estivesse contemplando o acto da sua proporia criação, naquele instante mágico e difuso em que “entre o sono e a aurora, a transparência de um véu apenas nos separa”.
Por último, e sempre citando Ivan Junqueira, “VAV é o poeta que assume a condição de viajante que nunca parte nem chega a lugar algum, já que o seu périplo se cumpre, como os de Xavier de Maistre ou de Almeida Garret, em torno de si mesmo”, um poeta que nomeia seres e lugares “que emergem quase fantasmáticos, de poemas que se servem de uma linguagem por assim dizer onírica e que os arranca da imobilidade em que jazem seja nas sonolentas areias do deserto, seja no mármore hierático da estatuária ou na pátina da monumentalidade arquitetônica. Em suma, o poeta dá vida àquilo que parecia estar morto em sua solene ( e enganosa) imortalidade”.
Nota importante: a Obra reunida em "Novos Trabalhos Novos Danos" inclui muitos poemas inéditos e não dispensa a leitura de "Todo o Trabalho Toda Pena", a última antologia editada em 2016 que é igualmente um livro para colecionadores.
Novos Trabalhos Novos Danos (dois volumes)
Editora: Crescente Branco
Distribuição: VASP
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