INÍCIO
Crítica II
Posfácio
AMANHÃ INESQUECÍVEL
Prefácio
O LIVRO DOS VENTOS
OURO, NEGÓCIOS, POESIA, ETC
TODOS OS POEMAS
DA VERGONHA
Joaquim António Emídio reúne parte da sua poesia em Todos os Poemas da Vergonha
Prefácio O LIVRO DOS VENTOS
José do Carmo Francisco
A TERRA E A ALMA - Algumas aproximações a "O Livro dos Ventos". No universo dos ofícios há um (o do poeta) sobre o qual é sempre difícil falar. Porque a oficina e a ferramenta são invisíveis. Porque o poema é um fruto directo da mente humana. Não é um objecto embora seja um resultado - todos o sabemos. Aquilo a que chamamos "crítica" não é mais do que um conjunto de aproximações feitas na certeza de nunca encontrar a — explicação —. Um livro de poesia tem apenas leituras diversas - nunca uma chave ou interpretação fixa. De qualquer modo é sempre possível tentar a aproximação ao texto poético e dar dessa viagem circular um relatório escrito. Joaquim António Emídio poderia subscrever a famosa ideia de Gothe (Não posso fazer poemas que repousem no nada) pois de um modo geral os trinta poemas deste livro dão voz ao poeta e o poeta procura decifrar o Mundo. E não há nada mais obviamente objectivo que o Mundo. Mas é também vário e com lugares interiores nem sempre acessíveis. A terra e a alma; a geografia e os sentimentos; as circunstâncias e a reflexão - este é, por assim dizer, o plano geral do livro. A poesia é uma arte essencialmente pessoal: o poema escreve o poeta - o poeta escreve-se no poema. Mas o poeta não é um organismo sentimental sem raízes, sem passado, sem biografia. Pelo contrário são evidentes neste livro as referências biográficas como a infância, por exemplo e nem interessa se os materiais usados são do próprio poeta. O poeta é um fingidor... Joaquim António Emídio articula a oposição infância/idade adulta num curioso processo que não esconde a relação causa-efeito. Por outras palavras: não há poesia na infância (não se escreve) mas é na memória da infância que o adulto vai buscar materiais para a sua poesia. Veja-se o poema "Quando tenho voz para cantar" e a carga irónica da apropriação adulta da memória infantil: "Queria era ser livre para ir trabalhar / e escolher um patrão que não me batesse." Frequente nestes poemas é uma outra oposição: cidade/campo. Veja-se o poema — "Anda cheio de vida o poema" que termina com um irónico "já se fala em o levar para Lisboa" ou (por exemplo) o poema "Prefiro brincar com as crianças" que pergunta no final: "sou o alegre e feliz marçano da aldeia / e não é melhor que regedor da poesia?". Afastado geograficamente do poder poético da capital (editoras, jornais, revistas, universidade) o poeta não se intimida perante o saldo negativo desta situação e investe no trabalho da linguagem a partir da sua oficina ("Na oficina onde escrevo estas palavras"). Veja-se o poema "O olhar" e compreenda-se como esta poesia não se limita a percorrer a memória mas testemunha também a sabedoria, não se limita a enumerar factos mas elege entre tudo o lugar do saber: "O olhar:/o infortúnio das palavras/o sexo: o que recorda/a chuva quando se ouve/e não chove/a boca: o longo testemunho/da água num fruto/o coração: a pedra erecta/a alma: a antologia/de um pequeno poema/o corpo: o que se compra/vende e troca/e dá sempre lucro." A poesia não é, no essencial, uma questão de circunstâncias. Cesário Verde não era o caixeiro da loja de ferragens, Fernando Pessoa não era o correspondente comercial nos escritórios da Baixa, Ruy Belo não era o professor das aulas nocturnas do Ciclo Preparatório... Este livro (e os futuros que hão-de vir) é a prova de que Joaquim António Emídio não é o ourives na oficina duma discreta rua da Chamusca: essa oficina tem uma segunda porta que ninguém vê mas dá para outra oficina interior - a da poesia.
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