Amanhã Inesquecível

A poesia é
um
acto
adúltero
ou um
nado-morto?

O sol
já aí vem outra vez
com o peso
aliviado das mãos
que deram de boca em boca
os frutos do ano passado
vem aí outra vez o tempo
das crianças
brincarem com a água
e endoidecerem
a terra
a puxar-lhe os cabelos.

Cansado estou
quando adormeço
com um livro
à boca
é de um cansaço
atento
que o corpo
gosta.

Como as searas
interrogas os dias
de maio sem chuva
e desabrigados de vento
e ao respirares
respondes
com o nascer do sol
mais violento
dou-te
a minha boca
guardei-te
a memória
das chuvas
lá dentro.

Não me contes os teus sonhos
com as feições de Deus
toma
lava-te
na água
deste dia de sol
de que mundo falas
onde
existem
tais homens?
toma
insisto
dá esta colher de mel
a uma criança.

DEDUÇÕES DE UMA CRIANÇA A CAMINHO DA ESCOLA
Quando fustiga do norte
o vento
é o Manuel Luís
o repetente insubordinado
da escola
quando sopra do sul
o vento
é o professor António
a ler pela terceira vez
a coluna social da revista
durante o último intervalo
mas quando a nossa mãe
aparece grávida
o vento
é um empurrão
pelas costas.