A Palavra Emocional

Voltei à eira
para malhar o feijão
da minha pequena horta
no campo continua a crescer
a seara dos meus sonhos.

A terra é que nos faz dobrar a espinha
e morde os nossos ossos como um cão danado
a posse da terra é que divide os homens
entre ricos e pobres
a terra é que nos há-de comer os olhos
comer os olhos comer os olhos
queríamos o céu só para os milagres
e a chuva é que nos desgraça as colheitas
água ou sangue água ou sangue
água ou sangue
já ninguém sabe como matar a sede.

O menino mais pobre da minha rua
veio bater-me à porta sem palavras para pedir
o nosso último olhar foi o de velhos conhecidos
que não se amam mas nunca se esquecem um do outro.

Não se pode sonhar alto
por causa das nuvens
não deixam ver claro no céu
os sonhos mais bonitos
fico a noite inteira a morder
uma recordação de outros tempos
amanhã a fruta tem outro sabor
e já não preciso de comer à boca cheia
de música e palavras inventamos a luz
azul para nos conhecermos melhor
com este ritmo e este calor tenho medo
de cair por terra e desaparecer de repente
da pedra que atirei hoje ao ar
ainda não sei que ferida fui fazer
e já tenho outra pedra na mão suja
de sangue para atirar sem saber onde vai cair
vão com asas pela página fora as palavras
gritadas do teu poema de amor
tudo por causa dos dias serem tão grandes
e só falarem verdade ao sol pôr.